quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Thiago de Mello

Thiago de Mello nasceu na cidade de Barreirinha, no coração do Amazonas, no dia 30 de março de 1926. Em Manaus, capital do Estado, fez seus primeiros estudos. Mudou-se para o Rio de Janeiro (RJ), onde cursou a Faculdade de Medicina até o quarto ano. Acabou optando por deixar os estudos médicos e dedicou-se à poesia. Conhecido internacionalmente por sua luta em prol dos direitos humanos, pela ecologia e pela paz mundial, o autor foi perseguido pela ditadura militar implantada no Brasil em 1964. Foi obrigado a deixar sua terra, tendo se exilado no Chile, até a queda de Salvador Allende. Seus trabalhos foram publicados no Chile, Portugal, Uruguai, Estados Unidos da América, Argentina, Alemanha, Cuba, França e outros mais. Traduziu para o português obras de Pablo Neruda, T. S. Elliot, Ernesto Cardenal, César Vallejo, Nicolas Guillén e Eliseo Diego.
Seu poema mais conhecido é Os Estatutos do Homem, onde o poeta chama a atenção do leitor para os valores simples da natureza humana. Seu livro Poesia Comprometida com a Minha e a Tua Vida rendeu-lhe, em 1975, ainda durante o regime militar, prêmio concedido pela Associação Paulista dos Críticos de Arte e tornou-o conhecido internacionalmente como um intelectual engajado na luta pelos Direitos Humanos.
Em homenagem aos seus 80 anos, completados em 2006, foi lançado, pela Karmim, o CD comemorativo A Criação do Mundo, contendo poemas que o autor produziu nos últimos 55 anos, declamados por ele próprio e musicados por seu irmão, Gaudêncio Thiago de Mello.
Não tenho um caminho novo. O que eu tenho de novo é um jeito de caminhar.
Thiago de Melo


Estatutos do Homem
Tiago de Mello
Artigo 1º: Fica decretado que agora vale a verdade, que agora vale a vida e que de mãos dadas trabalharemos todos pela vida verdadeira.
Artigo 2º: Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças-feiras mais cinzentas, têm o direito a converter-se em manhãs de domingo.
Artigo 3º: Fica decretado que a partir deste instante, haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra; e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, abertas para o verde onde cresce a esperança.
Artigo 4º: Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.
§: O homem confiará no homem como um menino confia em outro menino.
Artigo 5º: Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura de palavras. O homem se sentará à mesa com o seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.
Artigo 6º: Fica estabelecida, durante dez séculos, a prática sonhada pelo profeta Isaías, e o lobo e o cordeiro pastarão juntos e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.
Artigo 7º: Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridão, e a alegria será uma bandeira generosa para sempre desfraldada na alma do povo.
Artigo 8º: Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre não poder dar amor a quem se ama sabendo que é a água que dá à planta o milagre da flor.
Artigo 9º: Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu suor. Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura.
Artigo 10º: Fica permitido a qualquer pessoa, a qualquer hora da vida, o uso do traje branco.
Artigo 11º: Fica decretado, por definição, que o homem é um animal que ama e que por isso é belo, muito mais belo do que a estrela da manhã.
Artigo 12º: Decreta-se que nada será obrigado nem proibido. Tudo será permitido, sobretudo brincar com os rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela.
§: Só uma coisa fica proibida: amar sem amor.
Artigo 13º: Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar o sol das manhãs vindouras. Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou.
Artigo final: Fica proibido o uso da palavra liberdade a qual será suprida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio ou como a semente do trigo, e sua morada será sempre o coração do homem.

Os Estatutos do Homem - Thiago de Mello